Like The Renegades!

maio 01, 2012

Demented Mind






Passei a língua pelos lábios desidratados e o agoniante sabor dos fármacos surgiu novamente. O súbito nó que se formou no meu estômago, quase fez com que vomitasse pela quinta vez naquela manhã. Mas ninguém queria saber. Não… Ninguém queria saber. 

«Como te sentes hoje Kaya? Voltei, como vês.»

Promessas quebradas… Meras palavras sem qualquer significado. De que me serviam se não me tiravam do estado lastimável em que me encontrava? Nada nem ninguém me poderia ajudar.

«Louca, tu és louca!»

Eu não sou louca. Eu nunca fui louca. Porque é que as pessoas continuam a chamar-me assim? A culpa não foi minha… Olhei em volta novamente, e tudo o que conseguia ver era branco e mais branco. Era um paraíso um pouco diferente do que imaginara. Ou talvez não fosse o paraíso. Levantei-me da cama igualmente branca e senti uma tontura assim que me sentei, o que fez com que me agarrasse à cama em si. Mantive o equilíbrio e retomei a postura. Forcei as pálpebras cansadas e observei o branco. Havia tanto branco que me cansava ainda mais a vista. Contraí os maxilares e cerrei os punhos com força. Arranquei a agulha que estava espetada no meu braço e o sangue surgiu quase como instantaneamente. Pressionei o pequeno orifício com os dedos para estancar o sangue. Não demorou muito até parar. Os meus braços estavam pálidos e sentia um tremor nos meus joelhos sempre que tentava dar um passo. Cambaleava para a frente e para trás, e apesar de não me sentir cem por cento saudável, não me ia deitar de novo. De qualquer das maneiras, não era saudável. Memórias assolavam a minha mente dolorosamente e só queria que parassem. Não existia nada naquela imensidão branca e desconfortável para a vista. Nem uma única janela, por onde pudesse ver o céu. Já não via o Sol há tanto tempo… 
Nesse instante a porta abriu-se e Duncan entrou com um sorriso esboçado. Parecia feliz e trazia uma pequena mala preta. 

- Como te sentes hoje Kaya? Voltei, como vês. – Abraçou-me com força afagando-me as costas. 
- Normal… Não sei. – Suspirei sentindo-me cansada. Cada suspiro era uma dor no peito.

Ele sorriu novamente. Porém hoje não me apetecia sorrir, nem abraçá-lo como ele fazia de todas as vezes que me visitava. Sentia-me apática, sem vontade de o abraçar e de ficar feliz quando ele me visitava. Contudo nunca me deixava sozinha.

«Não importa o que acontecer, eu vou estar sempre contigo. Porque é o que os irmãos fazem.»

Caminhei lentamente para a cama, e recostei-me nela enquanto Duncan por sua vez, sentou-se aos pés da cama. 

- Como está o tempo? - Perguntei-lhe, à medida que entrelaçava os dedos. 
- Quente, muito quente. Está bom para ir dar uns mergulhos à lagoa. 
- Claro… A lagoa… 
- Desculpa por não te poder levar.  - Lamentou-se. Cerrei os olhos com força, e deixei que uma lágrima escapasse. 
- Conta-me a história de novo… 
- Tens a certeza? – Ele acomodou-se na cama e comprimiu os lábios. Acenei afirmativamente com a cabeça e então Duncan começou. Fechei os olhos e relembrei aquela tarde de Verão. 
- Tudo começou naquela tarde de Verão quando… 

[flashback]

… Estávamos a brincar ao pé da lagoa. Lembro-me perfeitamente que Duncan queria ir nadar, apesar de não poder porque não sabia. Nunca entrávamos na água sem o nosso pai ou a nossa madrasta por perto. 

- Kaya! Anda comigo para a água, vá lá! – Dunc voltou a insistir. Estava tão bem a apanhar banhos de sol.
- Não Dunc, não me apetece. – Respondi-lhe num tom infantil. - Sabes bem que não consegues nadar.
- Consigo sim, a Hahn ensinou-me. Anda lá! 
- Não Dunc, não quero. E tu não vais, estou responsável por ti. 
- Vou na mesma. 

Dito isto, tive apenas tempo para ouvir um grande splash na água e levantei-me num ápice. Não conseguia vê-lo em lado nenhum apenas as pequenas bolhas que surgiram para onde ele tinha saltado. Subitamente, consegui ouvir a sua gargalhada trocista. Ao vê-lo, foi como se vinte quilos saíssem dos meus ombros. 

- Estás parvo?! Saí daí Dunc! 
- Estou a ir, estou a ir. 

Riu-se descontraidamente, mas eu não estava tão segura. Parou a meio da lagoa e bracejou. 

- Kaya… Kaya! Ajuda-me!
- Claro, não vou cair nessa. Sai já daí Dunc, estou-me a passar contigo.
- Ajuda-me! Tenho o pé preso, não estou a brincar! Ajuda-me!

Olhei-o desesperada, a ser engolido pela água da lagoa. Entrei em pânico, e olhei-o sem saber o que fazer. 

- O que é que eu faço?! – Peguei num ramo que vi perto das rochas e corri. Estiquei-me para chegar perto de Dunc e este agarrou-o. Mas de que adiantava se ele estava com o pé preso? – Consegues mexer o pé? 
- Acho que não. Não consigo tirar o pé, ajuda-me Kaya por favor!
- Eu vou chamar a Hahn! 
- Não, não me deixes aqui por favor! 
- Duncan, eu volto para te buscar, prometo. 

Ele olhou-me alarmado, ripostando contra as águas calmas da lagoa. Ele estava a causar a turbulência na água e com o pé preso ainda pior. Mas não lhe podia pedir para ter calma. Corri pelas rochas e entrei em casa a correr.

- Hahn! Hahn onde está? O meu irmão precisa de nós! -Percorri as divisões todas da casa até que a vi na cozinha a preparar o almoço. - Hahn! Por favor Hahn, o Dunc está preso na lagoa e não consegue sair. 
- O quê?!
Ela gritou e pegou no telemóvel enquanto marcava o número das urgências. Correu atrás de mim, pelas rochas enquanto falava. Corri até à lagoa, por ser muito mais rápido que ela mas não o avistei. Assim que me aproximei a sua mão inanimada estava a afundar-se. Puxei-a e o seu rosto mal vinha à superfície. 

- Dncan! Não me deixes … Não me podes fazer isto! - Tarde demais. Um tom pálido invadia o seu rosto e os seus olhos estavam abertos. Desfiz-me em lágrimas e pensei porque é que isto tinha de me acontecer…
- Não! – Hahn gritou ao ver que largara a sua mão. – Sua assassina! Mataste o teu irmão! 

Foi como se uma faca me cortasse o coração aos pedaços. Eu não era uma assassina. Eu não era uma… assassina.
No funeral de chovia imenso. As minhas lágrimas confundiam-se com as gotas da chuva. Hahn olhava-me com ódio enquanto o meu pai lhe afagava os ombros. Ela sempre adorou o Duncan. Via-o como um filho, mas a mim não. Os dias passavam lentamente sem a presença dele pela casa. Sentia-me vazia. Um aperto na minha garganta impedia-me de respirar e chorava como se não existisse amanhã. 

«Sua assassina! Mataste o teu irmão!»

Nessa noite, desci em pés de lã até à cozinha e peguei numa das facas grandes com que Hahn fazia o almoço. O meu pai não dormira em casa naquela noite, devido aos negócios. Hahn estava sozinha no quarto e abri a porta lentamente. Dormia serenamente, coisa que eu não conseguia fazer desde a morte do meu irmãozinho.  Ela acordou e só teve tempo de sentir a faca cortar o seu peito. 


[/flashback]

- Eu prometi que voltava… Mas prometer não foi o suficiente pois não? - Olhei em volta mas ele já não estava lá. - Desculpa maninho… Eu falhei. 

Uma enfermeira entrou e observei-a.

- Bom dia. Como se sente hoje? Melhor? 
- Curioso… Já me fizeram essa pergunta hoje. Onde é que eu estou? 
- Internada… Num hospício. 
– A jovem falou. Parecia estar habituada. 
- Porque é que eu estou aqui? – Senti-me confusa.
- O seu pai internou-a…
- Sou uma assassina não sou? Matei o meu irmão e a minha madrasta num dia… 
- Bem, vamos tomar a medicação de hoje. – Ela mudou de assunto.
- Responda-me. – Pedi-lhe com prontidão. 
- Sim… Foi isso. 
- Já sabia. Só precisava de confirmar… 

E assim, Kaya levou uma injecção que a faria adormecer por mais 12h. Kaya Elfman era uma doente paranoica e culpava-se pela morte do seu irmão. E ali limitar-se-ia a viver de recordações, até ao fim dos seus dias. 

One-shot semanal.
RuthPacheco. 

1 comentário:

  1. WOW! :O Adorei, Ruth! Por momentos, enquanto lia este texto, senti-me a navegar dentro da cabeça de Kaya, a atravessar o horizonte da sua imaginação, a vencer as barreiras da loucura. Juro que fiquei pregada ao ecrã :o
    Está mesmo muito bom! Parabéns, querida :)

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